Parece que o Brasil
tem entrado cada vez mais na era do comodismo mental: pensa-se pouco,
pesquisa-se pouco e contraditoriamente opina-se demais. É por conta dessa falta
de embasamento que as discussões, tanto virtuais quanto off-line, são carregadas de xingamentos e intolerância às opiniões
contrárias.
Recentemente o
Facebook virou palco para um não-tão-novo tema: ser a favor da
descriminalização do aborto ou não ser? Eis a questão. Tudo porque começou a
rolar um desafio no Facebook chamado “Diga não ao aborto”. Ele consiste
basicamente em grávidas postarem fotos suas na linha do tempo e falarem sobre
suas experiências maravilhosas gerando um bebê como forma de discurso pró-vida.
O que me entristece em
toda essa história é ver o quanto as pessoas não entendem que ser a favor da
legalização do aborto NÃO SIGNIFICA não ser pró-vida ou ser a favor do aborto.
Alguém realmente acredita que quem defende essa medida a defende porque quer
matar bebezinhos? Será que somos tão maus, frios e insensíveis assim? É claro
que não. Tudo é uma questão de entender por que defendemos.
O primeiro motivo é: a mulher é dona do seu corpo e deve ter o direito de fazer escolhas no que se refere a ele. Parece uma coisa óbvia, mas infelizmente não é. Afinal, em pleno século XXI, mesmo com todos os avanços já conquistado, a mulher ainda é julgada e apontada por todas as razões mais esdrúxulas dadas pela nossa sociedade machista, patriarcal e nada laica.
O primeiro motivo é: a mulher é dona do seu corpo e deve ter o direito de fazer escolhas no que se refere a ele. Parece uma coisa óbvia, mas infelizmente não é. Afinal, em pleno século XXI, mesmo com todos os avanços já conquistado, a mulher ainda é julgada e apontada por todas as razões mais esdrúxulas dadas pela nossa sociedade machista, patriarcal e nada laica.
Mas ter um filho não é como escolher entre um sapato ou
uma bolsa. É uma vida que está dentro dela e ela tem uma responsabilidade com
isso.
Sim, eu concordo
totalmente. Grávida, a mulher está diante da perspectiva de ser responsável por
uma nova VIDA! É algo grande. Por isso mesmo, ter o direito a essa escolha se
torna ainda mais importante. Só a mulher sabe o que ela pode aguentar, se ela
está preparada física, emocional e financeiramente para ter aquela criança e se
o nascimento dela será uma benção ou um fardo. Se uma mãe não está preparada
para ter um filho – ou, pior, não QUER ter o filho – e o tem mesmo contra sua
vontade, ela pode sim acabar aceitando, correndo atrás e conseguindo dar uma
boa vida pra ele, como em algumas histórias de superação que ouvimos; mas também
pode causar danos muitas vezes irreversíveis nela própria e naquela “vida” que
as pessoas tanto defenderam. Depressão pós-parto, abandono, sentimento de
culpa, uma vida infeliz e financeiramente instável são alguns desses danos.
Isso sem contar com o
fato de que ainda hoje as mulheres são julgadas por fazer sexo. Vide as
sequelas dos vídeos de revenge porn
que têm se tornado cada vez mais comuns nos últimos tempos. Mulheres que não
conseguem sair de casa, recebem ligações de pessoas que não conhecem as
xingando de piranha e puta, perdem empregos... Tudo porque fizeram sexo?
Se acontece por esse
motivo, imaginem quando elas ficam grávidas jovens ou quando são mães
solteiras. A pressão da família e da sociedade muitas vezes é bem maior do que
o que elas podem aguentar.
![]() |
Usuária aproveita campanha pra lembrar o caso de Jandira, mulher de 27 anos que morreu após a realização de um aborto clandestino. |
Aí as pessoas dizem: Foi gente grande pra fazer, mas não é gente
grande pra aguentar a responsabilidade? Ou o clássico: Se não quer, se previna!
Para, sério. Tá feio.
Gente, se fosse fácil ‘cês
acham que metade das mulheres que engravidam sem querer iam passar por esse
perrengue à toa? Óbvio que não!
Primeiro: sexo é algo
natural! É bom, faz bem pro corpo, alegra, exercita a musculatura. Vários
benefícios! É até indicado pelos médicos. Não tem essa de “foi gente grande pra
fazer”. Ninguém vai deixar de fazer sexo até a hora de querer engravidar. Se a
mulher não quer ter filhos, então ela não vai poder fazer sexo nunca? (Já o
homem... Não tem responsabilidade nenhuma, né?)
Segundo: pessoas que
falam sobre a facilidade de prevenção certamente nunca passaram por problemas
causados por esses métodos! Então, deixa eu contar algumas coisinhas pra vocês:
- Camisinha estoura;
- Pílula do dia
seguinte não é 100% eficaz;
- Algumas mulheres que
usam pílula anticoncepcional não sabem que se vomitarem dentro de um período de
tempo determinado na bula o método não faz efeito e você tem que tomar outra;
- Existem mulheres que
não podem usar a pílula devido a algum problema hormonal, ou doenças;
- Há casos de DIU mal colocado;
- A injeção tem uma
dose hormonal muita alta e não faz bem a algumas mulheres;
- Coito
interrompido... Acho que não vou nem comentar esse, né? Haha
Podia ficar horas
falando, mas acho que vocês já entenderam que muitas mulheres engravidam se
prevenindo, SIM! Infelizmente, esses casos acontecem com frequência. Assim, as
mulheres engravidam sem nenhum poder de escolha e, portanto, decidir continuar com
aquilo é uma decisão nossa!
Mas se o aborto for legalizado as mulheres vão querer
abortar toda hora!
NÃÃÃO, GENTE! NÃO!
Abortar não é uma
coisa legal. É traumático. É uma decisão difícil. É perigoso! Mesmo legalizado,
continuará sendo por se tratar de uma cirurgia! Nenhuma mulher quer sair por aí
abortando a rodo.
Além disso, a defesa
da legalização não é indiscriminada. Ela se baseia na proposta do projeto de
lei resultante do Trabalho da Comissão Tripartite, elaborado em 2005, sob
coordenação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM). Segundo
ela, a realização do aborto deverá estar dentro das seguintes condições:
- Realizado até a 12a
semana de gestação, que é quando o feto ainda não possui atividade cerebral;
- Até a 20a
quando a gravidez decorre de violência sexual;
- E a qualquer momento
em caso de grave risco para a vida da gestante.
Fonte: Blog da CatiaKitahara
Dito isso, vamos pros
dados.
Reparem no mapinha a
seguir:
![]() |
Mapa mostra países em que o aborto é legalizado. |
De acordo com o
ginecologista e obstetra Jefferson Drezett, numa entrevista com Drauzio Varella, nenhum desses países registrou uma
explosão no número de abortos após a legalização. Inclusive, no Uruguai, foi
registrada uma queda nesse número e, consequentemente, no número de mortes de
mulheres. *Palmas pro Uruguai*
Hoje, no Brasil,
registra-se que 250 mil mulheres são socorridas nos hospitais SUS em
decorrência de aborto ilegal e estima-se que um milhão sejam praticados. Dentro
desse número, as que mais sofrem são as mulheres pobres e negras porque são
obrigadas a recorrerem a clínicas clandestinas, aumentando o risco de não
sobreviverem à cirurgia.
Segundo uma matéria realizada pela Carta Campinas, as experiências de países que legalizaram o
aborto nos mostram que a lei que o criminaliza serve, na verdade, para matar mulheres
e aumentar o número de abortamentos, além dos problemas físicos e psíquicos
decorrentes das situações.
Essa diminuição ocorre
porque a descriminalização não é ampla, irrestrita e sem cuidados. Legalizada,
ela permite a participação ativa de profissionais da saúde, como acompanhamento
psicológico. Assim, a gestante tem todo o respaldo necessário não apenas para a
realização do procedimento, mas também para que a sua decisão seja feita
considerando todas as questões importantes e que medos e pressões internas ou
externas não pesem em sua escolha.
Essa matéria não tem a
menor intenção de obrigar ninguém a aceitar o aborto. O que eu busco é fazer
com que sejam entendidos os motivos pelos quais a descriminalização seria um
bom caminho para evitar mais mortes.
Não é ser a favor do
aborto: é ser a favor da sua legalização.
É ser a favor da vida. É ser a favor da
mulher.
--
AVISO: O espaço aqui
está aberto para discussões, mas ofensas não serão toleradas.
Ótimo texto! Ontem li um outro, também muito bom (não me lembro a fonte, sorry) mas que dizia: "Lei de aborto não é Papai Noel nem Supernanny, para punir quem se comporta mal. Se você acha que é pra isso que as leis servem, volte mil casas e redescubra o que é civilidade." e combina perfeitamente!
ResponderExcluirQuando colocam o aborto como algo horrível, feito por mulheres sem coração etc etc, não pensam em que estado essa mulher deve estar, o quão preocupada ela estava. Mesmo quando feito em lugares limpinhos, é perigoso, é uma cirurgia. E nos lugares mais sujos, o quanto essa mulher estava preocupada a ponto de arriscar a própria vida?
Ótimo texto! :)
Obrigada, Carol!
ResponderExcluirInfelizmente é isso mesmo. Como li hoje no Facebook de um colega, os conservadores "pró-vida" só são a favor da vida na barriga. Depois que a criança nasce, a mãe "é que se vire" pra cuidar, pra arranjar dinheiro, pra colocar na escola, pra dar uma boa vida. Se ela não conseguir e o filho se tornar um marginal da sociedade, ou qualquer outra coisa, aí vai vir o discurso do "tinha que matar toda essa gente".
É um hipocrisia sem fim. Querem defender a vida, mas não pensam nas condições da mãe e da criança nunca :(
Eu achei um texto claro, limpo e perfeito. A questão é a seguinte: Ao mesmo tempo que existem pessoas que são totalmente a favor da legalização do aborto, outras têm o direito de, simplesmente, não ser. Mas se alguém diz que não é a favor do aborto, trezentas mulheres vão aparecer dizendo em caps lock, "MAS O CORPO É MEU, EU FAÇO O QUE EU QUISER". Ok. Mas será mesmo que vale a pena passar pelo aborto para poder entender, em pleno 2015, que sexo é COM camisinha e pílula? Salvos casos de estupro - e eu realmente entendo que há mulheres ainda que não conhecem o melhor modo de se prevenir. Será mesmo que o carnaval, por exemplo, é tão "folia" assim que faz com que as pessoas cuidarem do corpo que as mulheres tanto dizem ser delas? É muito difícil julgar. Eu tenho 23 anos e não sei o que passaria pela minha cabeça se eu engravidasse, talvez até pensasse em abortar, mas hoje vivemos em um mundo onde remediar é muito mais fácil do que prevenir. Eu realmente compreendo a ideia do aborto. Entendo que mulheres morrem dia sim, dia não com aborto ilegais. Entendo que a vida da mãe está em jogo, e o futuro do filho também. Mas se o corpo é seu, cuide dele o máximo possível. Resumindo o que eu gostaria de dizer: direitos iguais. Há quem seja a favor. Há quem seja contra.
ResponderExcluirOi, Anônima!
ResponderExcluirEntão, vamos lá: ninguém é a favor do aborto. Nenhuma mulher pensa "vou transar sem camisinha pra engravidar e abortar". Falta sim no Brasil uma boa política de conscientização e prevenção que não apenas diminua o número de gravidez indesejada como também evite transmissões de DSTs. No entanto, existem também muitas mulheres que se previnem e engravidam mesmo assim. Conheço casos entre amigas que passaram sufoco de acharem que estavam grávidas porque ainda não tomavam pílula ou porque não podiam (existem doenças em que a pessoa tem que tomar remédio a vida inteira e não pode beber, por exemplo, nem tomar pílula) e aí a camisinha estourou. Além disso, não se pode dizer que todas as pessoas têm conhecimento dos métodos contraceptivos. Nós podemos falar da NOSSA realidade, mas ainda há no Brasil quem não tenha acesso a informação.
Independente do que a gente acha, mulheres que se encaixam nesses perfis acima - ou ainda em outros - abortam todos os dias. Abortam no desespero, mesmo sendo crime, mesmo tendo uma grande chance de morrerem; pagam grana pra quem não ta preocupado em humanizar a situação.
Quando você diz que é contra o aborto você ta ignorando o fato de que as pessoas não estão ali para defender o aborto. Elas tão ali pra defender a DESCRIMINALIZAÇÃO dele. Porque independente de você ser a favor ou não, mulheres por todo o país vão continuar fazendo e vão continuar morrendo. Quando alguém te responde "meu corpo minhas regras", ela está querendo te mostrar que a sua opinião - ou seja, você ser a favor ou contra o aborto - não pode impedi-la de fazer um caso ela chegue a essa decisão, mas com certeza você aceitar que a descriminalização é um mal necessário impedirá que ela morra nesse processo. Processo esse que ela vai fazer quer você apoie ou não, entendeu?